Os distúrbios gastrointestinais funcionais, como a Síndrome do intestino irritável (SII) e quadros de colite funcional, afetam milhões de pessoas em todo o mundo e representam um desafio terapêutico significativo.
Apesar da ampla disponibilidade de medicamentos antiespasmódicos, reguladores de motilidade e antidepressivos tricíclicos, muitos pacientes continuam apresentando sintomas persistentes, o que reforça a necessidade de terapias com novos mecanismos de ação e melhor tolerabilidade.
Nos últimos anos, o Canabidiol (CBD) tem se destacado como um composto promissor na modulação da motilidade intestinal.
Por ser um fitocanabinoide não psicotrópico e com perfil farmacológico amplo, o CBD vem sendo investigado devido seus potenciais antiespasmódico, anti-inflamatório, analgésico e regulador do eixo intestino-cérebro.
Um estudo recente trouxe novas evidências sobre a atuação do CBD diretamente no músculo liso entérico, demonstrando mecanismos que podem ajudar pacientes com distúrbios gastrointestinais refratários.
A relevância do CBD para o sistema gastrointestinal
O trato gastrointestinal possui uma complexa rede de controle, que inclui o sistema nervoso entérico, neurotransmissores, células musculares lisas e o sistema endocanabinoide.
Esse último regula processos como motilidade, secreção, inflamação e percepção visceral.

O CBD, ao contrário do THC, não ativa diretamente os receptores CB1 e CB2, mas influencia canais iônicos, receptores não canabinoides e vias intracelulares associadas ao tônus do músculo liso.
Isso abre possibilidades para o desenvolvimento de terapias mais específicas e seguras, especialmente para condições caracterizadas por hipermotilidade, espasmos, dor abdominal e diarreia.
Como o CBD reduz espasmos intestinais: evidências in vitro
Um estudo experimental em modelo animal in vitro avaliou o efeito do CBD sobre as contrações intestinais.
Os pesquisadores observaram que o composto reduziu de forma significativa a excitabilidade do músculo liso, promovendo relaxamento intestinal.
O mecanismo identificado foi particularmente importante:
o CBD atua ativando canais de potássio, responsáveis por regular a eletricidade da célula muscular.
Quando esses canais se abrem, o potássio sai da célula, tornando a membrana mais estável e dificultando a contração muscular — um processo essencial para reduzir espasmos.
Para confirmar o mecanismo, foram utilizados bloqueadores específicos desses canais.
O resultado foi claro: na presença dos bloqueadores, o efeito antiespasmódico do CBD diminuiu consideravelmente, evidenciando que a abertura dos canais de potássio — especialmente os canais KATP — é crucial para sua ação.
Esse achado reforça que o CBD não apenas modula o sistema endocanabinoide, mas pode atuar diretamente em vias eletrofisiológicas do trato gastrointestinal, Diferenciando-se dos antiespasmódicos tradicionais.
Evidências in vivo: CBD reduz diarreia sem causar constipação
Os efeitos do CBD também foram analisados em modelo in vivo. Em modelo animal com diarreia induzida por óleo de rícino, o tratamento com CBD (10 e 30 mg/kg):
- aumentou significativamente o número de fezes secas;
- reduziu a evacuação líquida;
- promoveu aproximadamente 56% de proteção contra a diarreia;
- apresentou eficácia comparável à da loperamida, um antidiarreico de uso comum;
- não reduziu o número total de evacuações.
Este último ponto é extremamente relevante: diferentemente de medicamentos como loperamida, que podem causar constipação rebote, o CBD normalizou a motilidade intestinal sem interromper completamente o trânsito, sugerindo uma ação mais fisiológica e menos agressiva.
Implicações clínicas e potencial terapêutico
Os resultados do estudo indicam que o Canabidiol apresenta duplo potencialno trato gastrointestinal:
- Antiespasmódico, reduzindo hipercontrações e auxiliando no controle da dor abdominal;
- Antidiarreica, sem promover constipação ou alteração negativa da dinâmica intestinal.
Essa combinação é particularmente valiosa em condições como:
- Síndrome do intestino irritável (SII) com predomínio de diarreia;
- Colite funcional;
- Distúrbios de motilidade induzidos por estresse;
- Inflamação intestinal leve a moderada;
- Hipermotilidade intestinal associada ao eixo intestino-cérebro.
Além disso, a identificação dos canais KATP como alvo farmacológico abre portas para novas linhas de pesquisa e formulações específicas para uso gastrointestinal.
Com isso, as evidências experimentais reforçam que o Canabidiol pode se tornar uma alternativa terapêutica importante para pacientes com distúrbios gastrointestinais funcionais e resposta limitada aos tratamentos convencionais.
Sua ação antiespasmódica mediada por canais de potássio e sua eficácia antidiarreica sem causar constipação tornam o CBD um candidato extremamente promissor para abordagens integradas e personalizadas.
Com o avanço das pesquisas, é possível que o CBD venha a ocupar um papel relevante na gastroenterologia funcional, oferecendo novos caminhos para o manejo de condições complexas e de alta prevalência.